28/02/2018
Em 2017, o tema identidade de gênero entrou na sala dos brasileiros e foi amplamente debatido em diversos meios. Quem ainda não sabia o que era um transgênero, passou a entender que o gênero com o qual um indivíduo se identifica nada tem a ver com seu sexo biológico ou opção sexual. Por definição, transgênero é quem se reconhece com um gênero diferente daquele que corresponde ao seu sexo atribuído no momento do nascimento e que não tem nenhuma ligação com doença ou distúrbio psicológico. Apesar disso, a condição exige um acompanhamento médico especializado para quem deseja passar pelo processo transexualizador, que inclui tratamento hormonal.
Referência no atendimento a transgêneros no estado, o Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE) recebe desde 1999 pacientes que procuram pelo tratamento ambulatorial hormonal no serviço de Disforia de Gênero, que realizou 1.188 consultas em 2017.
No ano passado, o projeto foi habilitado pelo Ministério da Saúde, juntamente com outros três serviços similares no país. Agora, são nove as unidades credenciadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que oferecem o atendimento. Para ser atendido pelo IEDE, o interessado precisa ter um encaminhamento médico ou de algum profissional de saúde mental e procurar um serviço municipal de saúde para que seja feito o agendamento no instituto.
- O ambulatório de Disforia de Gênero do IEDE é um dos pioneiros no país e a habilitação do Ministério da Saúde trouxe uma chancela importante para o serviço, que tem sido cada vez mais procurado – disse o secretário de Estado de Saúde, Luiz Antônio Teixeira Jr.
Após dois anos de tratamento hormonal, o paciente é avaliado pela equipe multidisciplinar, formada por endocrinologistas, psicólogo e psiquiatra, que emite um laudo que pode, inclusive, referenciar o paciente para a cirurgia de redesignação sexual, se considerá-lo apto. O serviço conta também com apoio de equipe complementar, formada por assistente social, clínico geral, ginecologista e fonoaudiólogo.
- No ambulatório, eles recebem o primeiro atendimento da endocrinologia e depois são direcionados para as outras especialidades. Muitos já se automedicaram antes de chegar aqui e isso pode trazer efeitos colaterais graves. No IEDE, os pacientes usufruem do tratamento hormonal e recebem o laudo para se candidatarem à cirurgia. Depois do procedimento, continuam com acompanhamento hormonal por tempo indefinido e psicoterápico e/ou psiquiátrico por pelo menos mais um ano – explica a coordenadora do setor, Karen De Marca.
O ator Bernardo de Assis, de 22 anos, chegou ao IEDE em março de 2017. Assim como muitos pacientes, já se automedicava com hormônios há mais de um ano.
- Minha ficha caiu quando eu tinha uns 13, 14 anos. Não me encaixava em nada que eu conhecia e nunca tinha ouvido falar sobre homem trans; achava que eu era homossexual. Até que conheci um amigo que me explicou sobre o assunto. Aos 18, saí de casa e pude viver minha verdade e começar o processo de transexualização. Minha vida, até então, se resumia a peças de um quebra-cabeça que não se encaixavam. Agora, esse quebra-cabeça está montado, tá tudo resolvido. A única coisa que falta é a retirada dos seios, que vou fazer esse mês. Com isso, vou poder fazer coisas muito simples como ir à praia, deixar de usar as faixas que machucam tanto, poder andar despreocupado – diz ele.
Para Bernardo, a popularização do assunto é extremamente positiva para que as pessoas se familiarizem com o tema e, com isso, possam compreender, se reconhecer e, principalmente, respeitar aqueles que se identificam como transgênero.
- Entramos na casa da idosa, de quem mora no interior, pessoas que, em geral, não têm tanto acesso às informações. Ganhamos muita visibilidade, a sociedade está debatendo o assunto. Só acho que é preciso cuidado com a abordagem – pondera.
A agente de turismo e atriz Maria Eduarda Bezerra, de 40 anos, também começou o tratamento no IEDE em março do ano passado.
- Sou transgênero desde criança. Sempre me entendi como mulher e isso foi muito difícil, especialmente na infância e adolescência. Lembro que a primeira surra que levei do meu pai foi quando ele me viu imitando a Gretchen. Apanhava no colégio, minha mãe foi chamada pela direção, que dizia que eu tinha uma doença. Só me senti mais segura no ensino médio e, mesmo assim, somente há dois anos me assumi totalmente como gênero feminino. Passei a me vestir como mulher e a tomar hormônios por conta própria, o que acabou me trazendo muitos problemas porque engordei muito, sentia tonturas, dores de cabeça e boca seca. Minha saúde só melhorou depois que passei a ter acompanhamento médico no IEDE. Hoje me sinto mais completa, inclusive acabei de conseguir a troca do meu nome. Estou colocando prótese nos seios e poupando dinheiro para fazer a cirurgia de transgenitalização – conta ela.
Maria Eduarda acredita que a discussão em torno do tema tem proporcionado um ambiente mais seguro para os transgêneros.
- Acredito que as pessoas estão entendendo melhor o que é um transgênero. Antes não se falava sobre isso, ficava restrito ao gueto. Acho que esse debate tem ajudado o próprio trans a se compreender e também vem alertando sobre a importância do acompanhamento médico para quem deseja tomar hormônios para mudar seu corpo. A sociedade e a população trans saíram ganhando.