11/11/2020
Ser um médico intensivista em tempos da pandemia da Covid-19 é muito mais que ter a função de monitorar as funções orgânicas e perceber alterações em fases iniciais de determinadas doenças. É enfrentar o desconhecido com muita sabedoria e determinação. É se arriscar e abdicar dos próprios interesses, e até mesmo da presença da família, em prol dos pacientes. Com o trabalho do intensivista, é possível intervir decisivamente no prognóstico dos pacientes que se encontram em estados graves, anteriormente com pouca ou nenhuma chance de sobrevivência. É dessa área da medicina a responsabilidade pelo cuidado das Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Para valorizar e agradecer o trabalho dos médicos intensivistas, que são lembrados no Dia Nacional do Intensivista, 10/11, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) conversou com alguns profissionais da área para saber um pouco da rotina de trabalho.
O Estado do Rio tem 81.203 pacientes que foram atendidos na Rede Estadual de Saúde com suspeita da Covid-19. Destes, 49.209 foram classificados como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por COVID, sendo que 16.658 dos casos informados foram para UTI, local onde o médico intensivista atua.
Profissional atuante em Terapia Intensiva há 16 anos, Carlos Rocha, médico intensivista do Hospital Estadual Carlos Chagas (HECC), fala da mudança na rotina de trabalho durante a pandemia da Covid-19.
“Costumamos dizer que esse foi o ano mais ‘intensivo’ na rotina de tratamento dos pacientes das UTIs. Nunca, no passado recente, fomos tão demandados com uma doença gravíssima que acomete as pessoas independentemente das condições físicas e doenças prévias. Foi o momento que mais precisamos ficar focados nas novas terapias e nos estudos científicos”, explica.
Segundo Carlos, a inexistência de um tratamento comprovadamente eficaz para o novo coronavírus é um dos fatores que difere os pacientes das demais patologias.
“Ao mesmo tempo que nos deparamos com a gravidade desses pacientes, alguns deles saudáveis e jovens, também percebemos que, diferentemente das demais patologias, o tratamento no primeiro semestre, auge da pandemia, consistiu em prestar assistência básica, principalmente no suporte respiratório, mantendo os sinais vitais preservados e a ventilação mecânica, que é essencial. O nosso papel tem sido muito importante no início em manter o paciente vivo para o próprio organismo conseguir combater o vírus. Sem a terapia intensiva, dificilmente esses pacientes teriam êxito na recuperação”, ressalta.
Na rotina de um médico de terapia intensiva é preciso entender e planejar. A UTI recebe diversos pacientes graves, por este motivo, é importante que haja o entendimento da patologia e a forma que a doença está se desenvolvendo no paciente.
“Sabemos que, para uma mesma doença, existem desfechos diferentes para cada paciente. Isso está relacionado a condições e doenças prévias. Diante disso, é necessário planejar medicação, procedimentos, cirurgias e também aguardar a resposta do organismo. Sempre explicamos isso para as famílias, que precisamos de tempo para entender e analisar corretamente o tratamento do paciente”, pontua.
Carlos relembra momentos que mais marcaram durante o atendimento da Covid-19. Ele ressalta o trabalho incansável para evitar a intubação dos pacientes.
“A equipe fazia de tudo para os pacientes conseguirem se manter respirando sozinhos. Eu via na expressão facial do paciente o medo de ser intubado, muito deles falavam ‘Doutor, eu não quero ser intubado, porque eu vi na televisão que quando esse procedimento é feito a pessoa morre’, isso marcava muito a gente, até mesmo em pacientes jovens, então, a equipe tinha que trabalhar também a ansiedade das pessoas”, conta.
Cláudia Falconiere traz em sua trajetória a implementação do primeiro Centro de Tratamento Intensivo Pediátrico (CETIPE) da rede estadual. Com especialidade em Terapia Intensiva e coordenadora médica do CETIPE do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes (HEAPN) há mais de 20 anos, a médica chama atenção para a importância da prevenção.
“Essa doença vem fazer o papel de um grande alerta para conceitos básicos, como lavagem das mãos e higiene. A medicina começa na prevenção, então a educação sanitária da população é muito importante, não apenas para prevenção da Covid, mas para várias outras doenças igualmente graves”, declara.
Cláudia fala da desmistificação da ideia de que o profissional intensivista fica fechado no CTI, mas é exatamente ao contrário disto, porque o médico precisa atuar juntamente à equipe multidisciplinar.
“Ele também é um divisor de águas por atuar no momento em que o quadro do paciente está potencialmente grave, evitando o avanço da doença com a monitoração contínua. Queremos mudar a ideia de que o intensivista fica isolado no CTI. São profissionais intensos em tudo. A intensidade da ação está naquele momento que vai ser fundamental para salvar uma vida”, exclama.
Uma das ações para diminuir a angústia no momento de internação e aproximar os responsáveis das crianças, é “interná-los” para que possam ficar 24h ao lado dos filhos.
“Neste momento de pandemia, não há visita de responsáveis enquanto a criança está entubada. Todos os dias, a equipe emite boletim diário via telefone. No momento que o paciente sai do respirador, os pais ficam internados junto com a criança dentro do isolamento, sem poder sair, até mesmo para comer. O mais incrível é que eles aceitam prontamente, e essa iniciativa tem dado muito certo, na hora que a criança está mais agitada a presença dos pais acalma”, finaliza.
O intensivista do Hospital Estadual Azevedo Lima (HEAL), Felipe Ribeiro Henriques, atua desde 2003 na unidade, e vê neste momento difícil uma oportunidade de aprender e vivenciar novas experiências.
“Atuar como médico na pandemia é uma experiência única, pela questão social e humanitária, que está na missão de ajudar pessoas, no dever de salvar vidas e no chamamento à vocação. É um cenário que a humanidade precisa de ajuda e de cuidado de saúde, e a ajuda médica é imprescindível. É um momento que requer muito trabalho e, ao mesmo tempo, muito gratificante, afinal, poder ser útil é uma das melhores oportunidades da vida”, conta Felipe.
Segundo o profissional, a Terapia Intensiva reúne os capítulos de maior gravidade de todas as especialidades médicas, incluindo as cirúrgicas. Ele pratica atos cirúrgicos e atos de clínica médica em um paciente de extrema gravidade. Ainda assim, para Felipe, lidar com a morte, mesmo com 17 anos de atuação, não é algo fácil.
“É doloroso lidar com sofrimento o dia inteiro, vários medos ao mesmo tempo, o próprio medo de adoecer, o de perder as pessoas que gosta, de perder vários pacientes. É muito difícil para um médico lidar com a perda dos pacientes, mesmo quando foram colocados todos os esforços para salvar aquela vida. Essa perda dói afetivamente e profissionalmente”, completa o médico.